quinta-feira, 22 de setembro de 2016

Bandeiras


I

            Agitam bandeiras. São de todas as cores. São muito bonitas.
            Agitam suas ideias. São ideias de muitas cores. São ideias bonitas.
            Mas eu vejo além, eu vou além de mera bandeiras, eu vou além de meros sorrisos e frases de protesto. Eu vou além, eu entro em sua consciência, eu entro no seu âmago, eu sou o Sr. O único ser todo poderoso que tem poderes o bastante para te fazer chorar.
            Agitam seus sentimentos. São sentimento de muitas cores. São sentimentos bonitos.
            Agitam seus medos. São medos de uma única cor. Uma cor indescritível.
            Eu sou o Sr. Mas tenho esta ansiedade, este medo, esta insegurança. Sei que posso fazer algo do tamanho do mundo, porém o poderoso Júpiter pode nos engolir & sorrir, sem versos e sem poesia. São paralelepípedos nas calçadas com nosso pés machucados. São medos, temores, coisas afins. Estamos distantes, estamos em outras galáxias tentando capturar o verdadeiro amor, perdido em milhões de estrelas. O mundo que nos perdoe, porém a destruição é necessária.
            Agitem suas cores.
            Agitem seus partidos.
            Existe uma violência escondida nas esquinas. Coisas que não consegue se calcular. Nenhum axioma matemático tem este poder sucinto de prever os acontecimentos. Desapareceremos em violentos rios, nossos corpos serão o nutriente de uma terra até tão castigada. Nossas crianças trarão o trigo & joio em suas machucadas mãos. Nós, os pais, estaremos mortos e enterrados há tempos.
            Agitam as hipocrisias, só possuem cor-de-ódio, cor-de-raiva.
            Mas eu entendo estes agitadores.  Vivemos em um estranho mundo, onde tais coisas banais se tornaram hecatombes nucleares. Tais banalidades, são apenas um quimera de tantas incertezas. A violência está lá fora junto à nossas crianças.
            Tu não se lembras? Tu foste criança.
            Estamos duros, calejados, entorpecidos.
            Estamos parados, tristes.
            Tristes.

II

            Os ódios se misturaram.
            Existiam muitas frentes nesta guerra sem sentido.
            Os ódios se misturaram.
            Ninguém mais escutava rádio nas calçadas.
            Lembras que um dia, quando eu era bem pequeno, tu mostrara que o céu neste ponto do mundo possuía nuvens lidas e vermelhas. Era uma noite quente de verão e estávamos na calçada, observávamos o céu do mesmo jeito que fazíamos em casa, porém, lá era mais frio, as nuvens eram azuis-escuros, e sempre um avião manchava a paisagem. Porém aqui, na sua terra natal, o céu possuía lindas nuvens vermelhas.
            Hoje tu não estas mais aqui, as nuvens continuam vermelhas, porém ninguém mais as observa (nem mesmo eu)
            Algo morreu em mim de uns tempo pra cá, mas eu não sou o foco.
            Existe coisa mais importante além daquela porta.
            GUERRA
            Na rua garotos com seus dezessete, dezoito anos, estão bêbados, sangrando, mortos. Agitam bandeiras, um dia foram coloridas, agora todas tingida de um vermelho. Era o sangue dos vivos que logo estarão mortos.
            Brigam por causas dos quais nem sabem ao certo o que é. Digladiam-se com seus irmãos cósmicos pela única coisa em comum, o ódio que um sente pelo outro. Não se importam se matam, se morrem, se castram, se estupram. Estão morrendo aos montes, toda uma geração está perdida em ideias dos séculos passados. Estamos voltando para uma era gélida e fria, onde o temor a um “deus” – sim, com letra minúscula, pois é o que ele é, minúsculo – tomou conta da nossa razão. Onde a ciência é vista como uma heresia, onde mataremos, mataremos, mataremos. Guerra, ódio, inveja. Saudaremos velhos açougueiros da humanidade, como aqueles generais, risonhos em suas cadeiras de crânios.
            Ninguém sabe ao certo porque lutam.
            Porém tem alguém controlando tais marionetes.
            Porém tem uma criança abandonada chorando.
            Porém tem alguns pais procurando o corpo do seu filho entre as pilhas de mortos.
            Por qual motivo?
            Por qual motivo?
            Se existe alguma entidade superior, será que goza em saber que aqui em baixo as leis são diferentes, que aqui em baixo as pessoas sofrem pela ignorância de seus semelhantes? Se somos criaturas, somos apenas joguete de um festim diabólico do qual não temos o controle? Somos apenas peças descartáveis de um tabuleiro inverso, invertido, escuro.
            Questiono.
            Não lutarei esta guerra.
            Matem-me por insubordinação, mas minha revolução é interna, não externa.
            Posso sufocar-me pela minha ansiedade & depressão, mas não me tornarei esta criatura abissal, mesquinha e enfadonha que todos se tornaram.
            Não me jogarei aos braços diáfanos destes ignóbeis.
            Não me tornarei mais.
            Porém, se eu me tornar um, serei Uno.

III

            Atravessai o monstro interior.
            Sois binário, perante a este horror.
            Atravessai o monstro interior.
            Não haverá então outra maldita cor.
            Jurai que não sois ator.
            Juro que verei o sol se por.
            Atravessai o monstro interior.
            Saudarei a imagem do Avô.  
            Nuvens vermelhas, seja aonde for.
            O mundo é meu mentor.
            As escolhas, um vetor.
            Sinto do inferno o calor
            Não dou crédito ao diabo, nem valor.
            Também não entregarei o verdadeiro amor.
            Pois, sabes qual o sabor.
            Atravessai o monstro interior.
            ATRAVESSAI O MONSTRO INTERIOR
            Mostrai do purgatório o ardor.
            Pungente no peito tal dor.
            De madrugada, o momento mais assustador.
            Lá fora, gritam com o maior clamor.
            Atravessai o monstro interior!
            Atravessai o monstro interior!
            Atravessai o monstro interior!
            Ouço os passos do comendador.
            Condecorado pelo ódio e favor.
            Ouço ele chegando no fim do corredor.
            Suas vestes de paixões, incolor.
            Ninguém sabe, tal monstro, grande contraventor.
            Sua felicidade vai decompor.
            Da guerra é o compositor.
            Fará soltar o monstro interior.
            Conseguirá capturar o delator.
            Sem julgamentos, será o executor.
            Que crucificara o escritor.
            Que em meio de versos, tentou expor.
            O monstro interior.
           
           
IV

            Era negro o que sobrou de toda a batalha.    
            Entre mortos & perdidos, nenhuma ideologia sobrou.
            Das bandeiras, só sobraram as brancas, imagem de toda a dor e perdição. Ninguém mais soube quem era o quê.
            Ninguém se conhecia, todos cegos pelos próprios ódios, agora viviam um puro ensaio. Impotentes perante o próprio poder. Reis morreram, líderes caíram, governos quebraram, jovens amadureceram. Eles serão os velhos daqui há cinquenta anos e contaram a história de ódio que viveram.
            Muitas crianças perdidas pelas ossadas & cadáveres.
            Essas crianças seriam os próximos Ansiosos & depressivos, sem uma ideia do futuro, sem uma ideia do que fazer.
            Talvez não tardassem muito a morrer.
            Porém os dias foram se sobrepujando.
            Não haveria mais controle, o que foi se foi. As nuvens continuariam vermelhas como um dia foram apresentadas a mim. A noite ainda seria fria e o meio dia ainda seria quente. Ainda haveria comida, apesar de escassa, ainda haveria água, apesar de suja, ainda haveria sorrisos, apesar das marcas de lágrimas.
            Meus amigos estariam mortos.
            Meus filhos cultivariam a terra.
            Meus filhos cuidariam da dor do seu velho pai.
            Cuidariam de sua velha mãe depois que eu partisse.
            Cuidariam da terra, depois seus pais se forem.
            Nos enterraria em terras férteis de cinzas daqueles que morreram no passado.
            Nossos amigos & conhecidos.
            As pessoas que um dia conhecemos brevemente nos ônibus.
            As histórias que nunca virarão livros.
            Colegas do passado.
            Familiares.
            Cães.
            Nós.
            Só.
           
            A última pá de terra e a inscrição na lápide.
            Muitos não tiveram uma lápide (este é o mal da guerra).
            Muitos não tiveram enterros dignos (este é o mal da guerra)
            Muitos não viram o pôr do sol pela última vez (este é o mal da guerra)
            Não haverá rosas em suas camas.
            Não haverá uma última canção.
            O império de sujeira desabou.
            Na cabeça dos limpos.
            A última pá de sujeira.
            E tudo fluiu.
           
            Não haverá culpados num futuro distante. Apenas boas histórias, de um passado glorioso. Ainda nos reuniremos em volta da fogueira para queimar velhas mágoas de coisas que nem de fato aconteceram. Ainda nos tornaremos austeros, porém talvez não nesta vida.
            Pequenos cavalos selvagens ainda correram por nosso pasto.         
            Num futuro distante, todos estaremos felizes, mesmo diferentes, mesmo iguais. Não haverá tantas guerras, e os mortos estarão confortado em seu estado. Nossos filhos viverão em uma época muito boa e muito fértil. Terão chuva de meteoros fazendo o céu brilha numa das noites mais inesquecíveis.
            Nossa pequena história do mundo não estará finalizada se não semearmos a terra com nossos descendentes.
            Nossa trágica história do mundo não teria sido única sem o sangue de pessoas inocentes.
            Nossa velha história do mundo não teria sido o que foi sem tantas curvas e vertentes.
            Muito se passou pelo que se disse nos últimos anos. As vezes até mais do que poderia ter se dito. Vida & Morte, tanta coisa, tantos dias diferentes, escuros, sem um motivo aparente para dar um sorriso.
            Logo as bandeiras voltarão a se agitar, todas de muitas cores, todas muito bonitas.
            Logo estaremos em uma rotina, em um dia a dia, em nossos computadores, em nossa tecnologia.
            Logo estaremos tão vazios quanto antes, mais é cíclico.
            Tudo converge.
            No balançar de tais bandeiras, no balançar de tais sorrisos.
            Seremos velhos, no balançar das cadeiras.
            Nossos dias serão pequenos. Imperceptíveis.
            Nosso dias não farão diferença.

            E no fim do dia, no último dia, antes do fechar de olhos, veremos as cores mais bonitas.

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

ANSIEDADE

            
Desiludido e pobre, como sempre, caminhando com sapatos e calças furadas, como sempre, buscando um sonho impossível, algo inimaginável, inalcançável. Uma piada pronta em cima de uma árvore gigante. O sol está quente hoje, o sol estará quente amanhã. Com suas oito horas luz de distância, fritando meus miolos em uma caminhada de no mínimo quarenta minutos pelo inferno do asfalto quente, como sempre, sou eu quem se fode.
            Mas estou escutando Rolling Stones.
            Dane-se Mick Jagger. Estou caminhando no sol enquanto ele tem milhares de anos e garotas. Tem milhares de dólares na conta e muitas histórias para contar. Eu permaneço enriquecendo minhas mentiras, histórias que gostaria de ter vivido, páginas pútridas de histórias distopes.
            Ainda morrerei de ansiedade.
            Eu, pobre diabo, como sempre, ando com sapatos e calças furadas. Hoje minha crise de ansiedade estragou meu dia.
            Claro que prefiro um homem vivo a um deus grego morto. Claro que Hélios resolveu me sacanear e jogar na minha cabeça o sol mais quente dos últimos anos. O asfalto fervilhava, e o céu distorcia em um azul claro e maligno. Minha falta de ar que me acompanha nos últimos anos meu deixou mais lento, mais cansado, mais estático.
            Carros bonitos com seus dignos motoristas.
            Pessoas tomando refrigerante na calçada. Eu gostaria muito de comprar um salgado tímido, perdido em alguma venda, mas tenho alguns centavos na carteira, sapatos e calças furadas.
            E se pudesse misturar tudo em uma sopa espessa de desgraças, de coisas que não deram certo. Ainda poderia assim, com alguns versos sem rima, sem gosto, sem pudor. Claro que tudo não passa de ódio contido, sou o rei do ódio contido. O eterno idiota que dirá os comentários mais sarcásticos e inúteis que vocês conhecem.
            Estou falando sozinho de novo.
            Estou falando diante do espelho.
            Estou ignorando boas ações, como sempre.
            Uma angústia toma conta do meu peito as nove horas da manhã. Tenho prazos, tenho números, tenho contas para bater, tenho uma meta para atingir, tenho obrigações, tenho que alimentar o sonho como se fosse um fogo rebelde que teima em queimar minha própria casa, tenho milhões de planetas para visitar, porém, me falta oxigênio. Fico ansioso, perco minha mente e meu ar, tudo se torna mais escuro, mais sombrio, mais sem sentido. Ainda irão chamar meu nome e dar o triste aviso que fui o indicado pelos meus próprios erros.
            Na minha bolsa, livros.
            Na minha mente, ideias
            Nos meus sonhos, pesadelos.
            Na minha alimentação, veneno.
            Nos meus sapatos, furos.
            Idem, minhas calças.
            Nem os pobres diabos aguentam o sol escaldante. Nem os mais putos da vida aguentam o sol da tarde sobre as cabeças, gritando como um louco da cidade.
            A velha coceira me ataca em público.
            Gostaria de ter vício dos quais nunca tive.
            Uma pequena dor de cabeça que nunca sai da minha fronte direita. Minha eterna vontade que as pessoas que não gosto morram de maneira imbecil. Ah, Darwin, que ideia idiota de evolução. Pena que ela está tão correta.
            Que ideia idiota de calendário.
            Que ideia idiota de horas.
            Mas o tempo está acabando, não sei se devo contar crescente ou decrescivamente. Não sei se tudo não passa de uma bomba relógio. Da hora de se jogar do quarto andar e ver os pássaros voarem de cima para baixo.
            Mas o tempo é cruel, junto ao sol, junto aos prazos, junto às dores, junto ao cansaço, junto às noites onde não se sonha.
            Tudo é tão escuro como a mais triste noite. Não importa qual música o seu celular escolha para tocar.
            Nem mil Chaplins o animam.
            Nem mil Chapolins te fazem rir.
            Nem mil Shakespeares te fazem sonhar.
            Porém uma única preocupação e tudo vem abaixo. Porém um ponto negativo, uma cara fechada, uma pergunta mais incisiva e tudo desmorona.
            Um brinde a sua falsa autoestima.
            Lástima.
            Calças e sapatos furados, como sempre.
            Uma calçada de paralelepípedos que machucam os pés. Esta é a vida.
            A vida.
            Ansiedade, sapatos e calças furadas, como sempre.

            

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

O nome no espelho

   


             

Aquela garota escreveu seu próprio nome no espelho do banheiro com um batom vermelho. Era um clichê aceitável. O batom vermelho vivo, apenas um dentre muitos outros batons na sua bolsa.

Vermelho vivo.

Roxo-primavera.

Lilás Cinderela.

Preto.

Ela escreve seu nome, a letra cursiva era perfeita e bem redonda. Dizem que quem tem letra redonda tem dotes artísticos e uma percepção aflorada. Dizem também que quem tem letra redonda tende a usar mais o lado esquerdo do cérebro. O lado da criatividade. Não era um nome muito comum. Não se via muitas meninas com seu nome. Por causa da primeira letra ela sempre será a última em chamadas. Sempre amargará a última posição. Era sempre a aflição de receber por último a prova. Era sempre a última a ser escolhida nas coisas. Muito pelo seu nome e muito outro pela a inaptidão na prática de esportes. Era gordinha e tinha baixa auto-estima como toda outra garota da sua idade.

Mas possuía batons na cor azul céu estrelado.

Verde-oliva.

Rosa-francês.

Amarelo-alegria.

Fez a vogal de uma maneira graciosa. Parecia uma cara sorrindo. Ela estava sozinha naquele banheiro. Usava roupas de festa chiques e caras, um vestido prateado brilhoso que avolumavam ainda mais seu corpo. Ela odiou muito aquele vestido. Estava um pouco apertado. Os últimos dias fizeram a engordar um pouco. Nada como vomitar a janta em segredo e tomar alguns inibidores de apetite não resolvam, ela pensou com seu reflexo encarando-a no espelho. Espelho revelador este. Revelava a amargura em sua infantil alma. Pensava nas falsas amigas, aquelas que a acompanham desde o infantil. Nunca gostara delas de verdade, eram falsas com ela, sempre foram. Não era convidada para os aniversários mas mesmo assim sua mãe a levava. Ela precisava se enturmar. Ela precisava participar dos clubes dos livros dos quais não eram convidada, das festas, aniversários. Ela vai precisar chamar estas amigas no seu casamento, ela vai ter que chamar nas festas de natal. Eram suas amigas, as amigas que não tinham uma amizade reciproca.

A chamavam de "Peppa-Pig". Ela ria mais odiava.

Seu nome era uma variante de uma flor.

Sua avó cultivava flores no jardim. Morreu por causa de um AVC. Caiu sobre os gerânios. Sua avó era uma pessoa doce e delicada. Ela não sabia o porquê da sua mãe não ter herdado estas características. Acho que estes genes pulam uma geração. Sua tataravó tinha e sua bisavó não. Sua avó tinha e sua mãe não. Ela tem e sua filha será mimada. Sua voz era tranquila. Adorava aquele jardim. Cultivava bromélias, rosas, narcisos, gerânios. Morrera caindo sobre eles. Inerte.

Sua mãe disse que seu nome fora ideia de sua avó, porém mudou a primeira letra para ficar mais elegante.

Por causa disto, sempre sera a última nas chamadas.

Sempre sera última da sua turma.

A última da faculdade.

A última da fila.

Por isso precisava se parecer com as amigas. Comprava maquiagem. Batons que nunca soubera passar direito, rimel, lápis, blanche, delineador, pó, esmalte verde-jaca.

Azul-profundo.

Rosa-coração.

Preto-blues.

Vermelho-amor.

Amor. Ela disse que já tinha beijado uma vez. Não era de todo uma mentira. Ela beijou um garoto uma vez em uma festinha de aniversário que não foi convidada. A mãe dela levava, ela aparecia e as meninas não tinham coragem de expulsar-la. A mãe levava porque ela era amiga das outras mães. Ela beijou um menino, era um carinha feiosinho um ano acima do seu. Ele era engraçado, divertido, baixinho. Ele era o piadista da turma. Ele a beijou, um beijo sem graça, um beijo sem vontade.

Ela descobriu que ele tinha perdido uma aposta e a prenda era beija-la.

Olhou no espelho com seu nome escrito. Seu rosto redondo rosado não era feio. Seus lábios eram bonitos e tinha olhos levemente esverdados. Cabelos castanhos encaracolados. Bochechas rosadas. Seu sorriso tinha algo de sincero e encantador, ela herdou isto da sua avó.

O sorriso da sua mãe era falso.

A suas suas amigas eram falsas com ela.

Suas amigas a toleravam. Era o preço da sua mãe ser amiga da amiga da mãe delas. Elas eram obrigadas a tolerar-la. Eram obrigadas a arrastar aquela "peppa-pig" com elas. Era obrigada a aguenta-la nas festas de aniversário. Ela era tão doce, tão delicada. Ficava sempre sentada, comia pouco para não ter que vomitar mais. Ela era tão inocente. Tão pudica. Ela nunca tinha beijado até aquele rapaz baixinho perder a aposta e ser obrigado a beija-la.

Ela era bonita, estava fora de forma mas isto realmente não importava.

Ela era inteligente, tímida e inocente porém muito inteligente.

Ela tinha o nome lindo. E escrevera no espelho do banheiro.

Entupira a privada com o Lápis,batom,rímel,pó,blache delineador e os batons da cor púrpura-surpresa.

Marrom-insano.

Laranja-loucura.

Rosa-solidão.

Vermelho-vingança.

Vermelho era a cor preferida da sua melhor-falsa amiga. Também era a cor que escrevera seu nome no espelho. Sua melhor falsa-amiga completava quinze anos de idade com uma festa de abalar as estruturas da cidade. Foram gastos o bastante para um buffet de primeira classe num salão gigantesco ao ar livre com direito a valsa, com direito a ator global, com direito a bebidas e comida. Tudo fora o papai desembargador que bancou. A festa inesquecível da menininha que fazia quinze anos. As lembrancinhas com um sabonetinho liquido, um alcoolzinho em gel e um hidratantezinho.

Um esmalte da cor azul-riqueza.

Amarelo-avareza.

Verde-luxúria.

O vestido da debutante fora caríssimo. Entre três e quatro mil. Foi usado apenas uma vez durante algumas horas.Toda a festa foi programada com no mínimo seis meses de antecedência. A lista de convidados gigantesca.

Claro que seu nome era o último. Maldita letra que sua mãe mudara.

Sua mãe comprara o vestido.

Ela odiou o vestido

Ela fora humilhada. Sua melhor-falsa-amiga disse que estava a convidado porque sua mãe era amiga da mãe dela. Ela falou que não queria que ela estragasse as fotos do fotografo contratado a peso de ouro. Ela não queria que dançasse. Que não tocasse com aqueles dedos gordos na comida, que não bebesse com aquela boca na bebida. Ela estava ali a contra-gosto. Mas poderia levar uma das lembrancinhas.

Usava esmaltes vermelho-alegria.

Ela passou horas no cabeleireiro.

Ela passou na clínica da sua tia. Disse que estava com fortes dores de barriga e que não conseguia "ir ao banheiro". Ela disse que estava tentando uma nova dieta, ela disse que queria ser modelo, ela disse que ia emagrecer dez quilos. Sua tia ficara orgulhosa, ela sempre quis ter uma sobrinha modelo. Ela era gastroenterologista. E colonoscopia fazia parte da sua rotina.

Deu para ela um pouco de Manitol.

O Manitol é um laxativo muito bom. Usava-se algumas horas antes da colonoscopia. Mistura-se o Manitol com suco em uma jarra. Mistura-se e inicia-se a tomada via oral a cada dez minutos. Deve-se ingerir a solução no máximo de uma hora.

A magia da evacuação líquida. Dizem que ajuda a emagrecer.

Sua tia deu uma boa quantidade. Era o sonho da modelo. As vezes os sonhos cegam as pessoas e as tornam, digamos que, inescrupulosas. Ver aquela sobrinha gordinha linda se tornar a próxima modelo super famosa realmente encheu seus olhos. Deu mais uma caixa para garantir.

Ela usava aquele esmalte vermelho-vingança.



INSTRUÇÕES PARA A COLONOSCOPIA

1 - Retire o kit do preparo para seu exame na unidade que foi agendado. Ela chegou cedo para a festa. O salão lindo cheio de flores falsas. Tão falsas quanto o sorriso da sua mãe ou suas amizades. Aquelas flores não morreriam, seriam recicladas e poderiam virar outras flores.



2 - Seu pedido médico é indispensável para a retirada do Kit. Pela primeira vez ela tinha um convite. Não chegava na festa de supetão ou algo do tipo. Agora eram festas de quinze anos de idade, era outro tipo de festa, era o maior exemplo da megalomania de uma família com dinheiro querendo comemorar o fato da filhinha mágica deles ter quinze anos. Ela legalmente podia transar com alguém mais velho sem por-lo na prisão.

3 - O medicamento Dulcolax (bisacodil) deverá ser comprado na farmácia. Ela teve esta ideia, a principio seria o velho lactopurga. Mas isto seria fazer um atentado terrorista com dinamites. Ela queria algo grande, ela queria uma bomba nuclear. Ela queria explodir o mundo. Ela, a "Peppa-pig".

4 - O produto Manitol será fornecido pelo laboratório pois, não é encontrado em farmácias. Isso sua tia lhe dera. Sua amada tia, sempre dizia que ela tinha engordado mais da última vez que a vira. Ela e suas dietas. Ela e sua mania de grandeza. Mal sabia que sua filhinha, anos depois, seria muito feliz ao lado de outra mulher.

5 - Por gentileza, ignore as instruções descritas no rótulo do Manitol. Caso o frasco do Manitol apresente alguns cristais, ele poderá ser tomado sem problemas. Ela usava aquele esmalte vermelho-vingança. O batom vermelho-sorriso malvado. Chegou cedo na festa. Mais cedo que todo mundo. Mais cedo que os convidados. Aquela figura gordinha e simpática fora desapercebida por todos os organizadores. Passou pelas mesas de comida, passou pelas mesas de bebidas, passou por tudo que poderia ser ingerido. Benzia tudo com Manitol. Santo Manitol. O bolo com Manitol. Uísque com Manitol, salgadinhos de Manitol.



Não comer carne vermelha na véspera do exame.

Esmalte-carne vermelha.

Vermelho vivo no espelho. Privada vomitando água. Entupida de tudo aquilo que falseava. Ela deixa as pernas do "m" do seu nome sempre no mesmo tamanho. Uma pequena perfeição. Aquela letra que deixava ela sempre por último. Ela gostava do seu nome, menos daquela letra.

Sentiu saudades de sua avó.



VÉSPERA DO EXAME



- As 16:00 festa começa para que o show do por-do-sol seja um dos espetáculos. Todos começam a entrar e a banda toca uma pequena valsa. A programação completa de tudo é dado para os convidados. Ela, a "peppa-pig" com seu esmalte vermelho-vingança chega também. Ela sorri tão falsamente como todos. Ela abraça a aniversariante e dá um ursinho de presente. Logo, ela senta no seu canto escuro.



- As 17:30 todos estão comendo, quitutes, mimos, doces, bebidas. Diversos tipos de suco, diversos tipos de uísque, tudo já pré-pronto em copinhos. O Manitol deixa gosto só no vinho e o no uísque. Evitar leite e seus derivados. Coisa que não fizeram.



- As 19:00 é tocada a primeira valsa. A aniversariante dançaria com seu pai e depois com seu namoradinho de rosto quadrado. Seu pai estava no banheiro já sofrendo os efeitos do Manitol e isso atrasou muito a valsa dos casais. Seu pai dançou meia música e correu novamente para o banheiro. A "peppa-pig" infernal cruza todo o salão de festas em direção ao banheiro feminino. Seu sorriso está escondido. Ela tranca a porta por dentro.



- As 19:30 ela escreve seu nome no espelho depois de ter entupido todos os sanitários. A água começa a encharcar o chão. Toda aquela maquiagem. Todos os esmaltes de diversas cores e os batons.



- As 21:00 os convidados não sabem muto bem o que esta acontecendo. A fila do banheiro é gigantesca. As meninas batem, chutam, tentam abrir a porta do banheiro feminino. Mas ela está lá dentro, olhando seu nome no espelho, ouvindo a confusão. Ela sorri, ela lembra de toda a humilhação. Ela sorri, e era diabólico.



- As 21:30, os que sobraram para o parabéns se contorcem nas cadeiras. O que não sai por baixo sai por cima. Logo mesas repletas de vômito de comida recém comida. A aniversariante começa a passar mal. Ela está no seu momento de ouro, a valsa com aquele ator global que ela ama. A valsa com aquele rapaz lindo e maravilhoso da novelinha que passa na tv. Seu cache foi uma fortuna. Seria vergonhoso se a aniversariante defecasse no seu vestido de três ou quatro mil. Aquela mancha marrom seguida de vergonha e fedor. O ator está intacto. Seu agente nunca deixa ele comer as comidas das festas. Para manter o físico.



Os gritos do lado de fora do banheiro.

Esmalte-marrom diarréia.



O intestino estará bem preparado quando as evacuações estiverem liquidas, sem resíduos e com a coloração amarela-clara.

Amarelo-canário.

Amarelo-fétido.



Todos na fila com suas roupas sujas, fezes pingando pelo chão inteiro. Todos vomitando e vomitados. Era a Sodoma e Gomorra da escrotidão. Era o banquete dos porcos. Era a comida benzida pela vingança da menina gorda invisível. A "Peppa-pig".

Era a vingança de sua avó.

Estar na fila para o banheiro depois de ter largado tudo pela roupa caríssima não fazia sentido. Eles queriam entrar unicamente pela honra. A honra de se fechar no banheiro, se esconder do mundo. Batiam mas não gritavam. Todas estavam com vergonha.

Suas amigas-falsas.

Sua mãe.

As mães de suas amigas.

Os pais.

Os convidados.

Apenas o ator saiu ileso.

Ela observava seu nome escrito com batom naquele imaculado espelho, naquele banheiro limpo, porém alagado. Mesmo que entrem não conseguiram usar os sanitários. Seu nome lindo, poucas vogais. Fazia o "a" como uma cara sorridente. Era sua marca, aquele "a" sorridente. Mesmo com a letra que a excluiu do meio das listas a rebaixando para o último lugar ela gostava daquele nome.

Era o presente de sua avó.

Era sua herança.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A Barata

           
            Era feroz a sua solidão.
            Tal qual a angústia dos dias que se passavam, como uma paixão velada pelos dogmas do cristianismo, o sofrimento do mais puro mártir em explicar o que não poderia conceber. Restou rasgar as fotos do passado, mostrar as antigas e flamejantes línguas que seu fracasso era concebido e agora nada mais era que um moribundo errante. Solitário com o maior princípio da palavra, erroneamente tratava-se de ter motivo para que as pessoas o odiassem. Sentia-se só pelo próprio desprezo de ser a si mesmo. Derrotado pela inútil marca de tentar até exaurir-se.

            Planejava a sua mudança para localidades mais ao sul. Com seus pertences já amarrados em uma mochila e algumas malas com mais livros do que roupas, tinha traçado o caminho para o abandono. Trabalharia como recepcionista de um hotel pouco frequentado em uma parte suja da cidade – está tudo arranjado – pensou ao olhar para aquela suja e velha bolça jeans com pífios itens de higiene.
            Em sua última olhada para o cômodo vazio pensou em como sua infância e adolescência fora perdida pela prisão imposta pelos pais. Imaginara o tanto que não pudera viver por causa de poucas regras autoritárias e pelo celibatarismo religioso que sua família assim o impõe. Era o único filho homem e fora prometido ser padre, porém no seu âmago sempre escondera o ódio que tinha perante a Deus e como achava inútil e antiquado os escritos bíblicos. Curioso pensar que nenhuma de suas irmãs seguiu carreira religiosa, e duas delas haviam engravidado antes mesmo de chegar a maior idade.
            Solidão.
            A velha madeira carcomida do solo e o fino rastro de cupins que devoravam em velocidade ínfima o seu velho e duro guarda-roupas. Com as estantes vazias e os móveis sem mais a marca de sua presença pensara em como era inútil naquele lugar, apenas um fantasma rondeando as decadências de cada membro. Não conseguia lembrar de amigos próximos e muito menos amores distantes. Fora conhecer o que era uma mulher já muito tarde, apenas aos vinte dois.
            Solidão.
            Talvez naquele silêncio inerte da perante despedida de um lugar que testemunhou todas as suas intimidades, tornara-se um amigo estranho aquele Quarto, quase como uma cripta. Sabia que haveria um pleno lamento em deixar para trás aquilo que não vivera de pronto, mas se animava em saber que agora poderia aprofundar-se na literatura sem o barulho incomodante dos entes de sua família.
            Encarando como uma imbecil estatua o nada, veio uma zombeteira Barata a rir. Caminhara pela a fresta da porta, subindo pelos umbrais até a parte posterior e depois vindo a descer em grande velocidade até o centro da parede, logo acima da escrivaninha. Parou e balançou as pequenas antenas como se tateasse no escuro alguma coisa de real interesse. Quase como se o encarasse, como zombasse. Pensara como se fosse um secreto hospede, que quase como aquele Quarto testemunhava todas as dores e lágrimas de uma juventude perdida para inutilidades.
            Era marrom com uma casca bem dura, um pouco maior do que seria uma Barata comum, o barulho das suas patinhas destruía o silêncio do Quarto e trazia um incomodo sobrenatural. Era impossível de não desgrudar os olhos daquele hospede secreto que bailava pela parede, indo até a escrivaninha.
            Sua estação de trabalho, pensou nos diversos textos que escrevera e guardara, agora tudo jaz em cinzas em um cesto de lixo, junto com poucas fotos de faces agora irreconhecíveis pelo poder destruidor do fogo. A Barata, como se o encarasse de forma questionadora, o perguntava sobre seu talento perdido para a literatura, sobre o tanto que batera naquelas máquinas de escrever antiquadas quebrando o silêncio noturno. Tantas histórias, tantos contos que poderiam virar livros, tudo morto e cremado. A Barata novamente rodopiou pela velha estação de trabalho, quase como um cachorro chamando a atenção do dono.
            Era algo lamentável, pensara em todo tempo desperdiçado e como a vida em vão se tornava um cemitério de desejos intoleráveis. Pensara em todos os vícios que gostaria de ter possuído, pensara em todas as perdições possíveis e nas histórias que teria que inventar para simular uma vida real. Tudo que sabia era de seu puro âmago e só aquela Barata e aquele Quarto eram testemunhas de quem ele realmente era. Claro que não poderia deixar para trás documentos tão formais sobre suas mentiras, sobre as histórias que contaria para angariar falsas amizades.
            Mas qual o motivo disto tudo!?
            - Qual o motivo? – disse em voz alta, quebrando a narrativa silente.
            Aprofundou a respiração e ponderou. Precisaria mentir, de fato, para simular o que não era? E o que verdadeiramente era? Talvez tinha se perdido em tantas mentiras, em tantas rodas de inimizades dos quais possuía algum afeto. Tanto para sua família como para as irmãs que se foram, tanto para aquele ínfima Barata que ria, ria, ria e rodopiava como uma boba.
            Sentiu uma dor.
            Sentiu a mais direita razão.
            No estreito do qual não deveria ser.
            Dos livros que carregaria consigo, mal lera metade. FARSA, pensava em que diriam em saber que mal sabia das coisas que dizia FARSA, pensava em sua imagem e sua reputação FARSA, mas qual? Era um solitário, um solteirão, um minúsculo ponto inconsequente diante ao tráfego dos milhares e milhares de automóveis e conduções. Era um urbanoide que trazia em suas costas a Elegia de sua pobre vida & juventude.
            Não embriagara como todo os outros, mas dizia que sim.
            Não caia nas perdições da vida boêmia, mas dizia que sim.
            Quase fora padre, odiava Deus.
            A Barata sabia disto tudo.
            Olhou para aquele inofensivo e acusador animal. Ela estava inerte, na ponta da escrivaninha. Ela sabia de tudo, ela sabia de todas as suas mentiras, ela era a testemunha ocular de todos os crimes. Estremeceu. Havia deixado uma testemunha de sua vida inteira, havia deixado um rastro e aquela Barata era o rastro. Por mais que o Quarto soubesse tanto quanto ela, o Quarto não sairia dali, e quando estivesse longe, os únicos que adentrariam tal recinto seriam os entes de sua família e os mesmos não saberiam discernir as histórias reais das mentiras que tal cômodo contaria.
            Porém a Barata era o mal.
            A dor, a sapiência dos demônios.
            Deus encarnado na mais pura punição.
            A Barata sabia demais. Ela contaria para todos que ele deixou para trás sobre os livros que não lera, sobre as histórias que não vivera, sobre as mulheres que ele não deitara. A Barata sabia dos seus segredos, do que não poderia ser contado nem mesmo para o mais profundo sábio, ou inquisidor. A Barata sabia a quem ele havia prometido vingança, sabia para quem ele já havia traído a confiança, sabia quais eram os medos, suas repugnâncias, e o que se diferenciaria de verdade e ficção. A Barata, junto ao Quarto, fariam a dupla perfeita no ato difamatório de seu ser. Seria a eterna condenação a mais pura solidão (apesar que o mesmo já estaria condenado há muito tempo a esta condição) A Barata representaria sua morte, sua morte andante. Seria o delírio de Freud, a loucura de Nietzsche, a orelha decepada de Gogh. A Barata tinha o poder de uma arma atômica e poderia destruí-lo se ela desse com a língua entre os dentes.
            E ela o faria, a Barata o odiava.
            Ela o entregaria, tinha que pensar rápido.
            Não poderia simplesmente matar a Barata, porque o seu cadáver já traria muitas questões e o objetivo de uma questão é ser respondida. As pessoas iriam esmiuçar o motivo do homicídio daquele inofensivo e repugnante animal. O porquê daquele homem sem fé ceifar a vida daquele incipiente ser. Cairia a bota sobre o seu corpo e o mundo saberia, num estalo, que os segredos não morreriam, pois o corpo estaria ali.
            O Quarto era de menos, ninguém o daria ouvidos.
            Muito menos credibilidade.
            Mas Ba-ra-ta fora sua companheira de Quarto/cela, Barata sabia dos esquemas, das artimanhas e ela era insubornável. Tratou de simplesmente desejar a destruição do seu egrégio companheiro.
            Barata iria falar para o mundo que ele era uma Farsa.
            Novamente perambulou com suas esquisitas patinhas pela escrivaninha, por cima do tampo de madeira, como se o desafiasse. Não sabia o que fazer, mas ela não poderia sumir de vista, tinha que ser feito.
            Aproximou-se lentamente para não fazer o seu nêmeses desconfiar de tão profano ato. Precisava silenciar o monstro, o minúsculo monstro, precisava dar fim antes de partir para que nada ficasse pendente. Não poderia haver pontas soltas.
            Pegou em um movimento rápido e ágil a Barata pelas anteninhas. Eram tão frágeis que poderiam partir jogando-a em um inferno de sentidos loucos e destoantes, haja visto que é o sistema nervoso do pequeno ser. Segurando com firmeza e olhando com severidade, via tal inquisidora se debater entre os dedos daquele pesaroso e solitário homem. Ela não suplicou, ela simplesmente se debatia tentando trazer violência ao seu certo fim, quase como um grito sem súplica, apenas ódio, como se em sua face gritasse as frias palavras do “EU SEI”
            Debatendo-se até o fim, ergueu o mínimo ser sobre a cabeça o analisado por inteiro, segurava com firmeza, pois em nenhuma hipótese poderia deixa-la escapar. Sabia que não poderia deixar vestígios e sabia como fazê-lo. Seu futuro estava em jogo, por mais que fosse um tanto quanto imbecil pensar, nesta altura, em algum grandioso futuro. Porém tinha que guardar o que restara e aquele asqueroso ser poderia fazer tudo vir a perder. Sabia o que precisava fazer e sabia que não poderia deixar rastros.
Abriu a boca e comeu a Barata, mastigando sua dura casca fazendo um barulho de crocância que, pela última vez, quebrara o silêncio do Quarto e, enfim, a engoliu.