quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Planície.


O resto de nós procura um lago
que já secou.
Muitos morreram de sede.
Outros disseram:
"não tem água, vá embora!"
E assim, o mundo girou.
Nunca será culpa nossa.
Divindades já disseram
que o homem não tem culpa.
que os pais serão perdoados.
que as mães serão esquecidas.
filhos e filhas abençoadas.
Batizadas nas secas terras
das cadavéricas planíces
Ninguém se lembrará mais
que gosto tinha, como era
e que felicidade trazia.
Ninguém se lembrará mais
da sua doçura incauta.
translúcida, inodora.
sem alma, porém
a alma de tantas coisas

O resto de nós desistiu.
O lago secou.
Nosso destino está escrito,
nestas duras terras da planície.
letras que nada além do vento levará.

O resto de nós partiu.
e ninguém nunca mais ouviu
histórias dos que se foram.
dizem que encontraram fartura
mas os que disseram morreram sem desmentir.
nunca ninguém voltou
nunca ninguém ousou ir

E eu cá estou.
Observando os últimos minutos de vida
de um pobre coitado
que apenas uma última mulher
um último gole
um último sorriso
desejaria antes de partir.

E cá estou
sacrificando o moribundo.
para que ele não sinta mais a dor
que é estar vivo neste mundo.

Cá estou
como próximo da fila
com sede, fome e raiva.
de não ter ido e nem ter ficado.
ter pirado.
enlouquecido na nostalgia
de um tempo melhor do passado
que nunca existiu.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Desunidade





Restos caminhantes de mendigos pútridos.
Ah meu centro da cidade, como senti sua falta.
De lá para cá, os homens estúpidos.
Que, de suas janelas, lançam as latas.

O gosto de sal na boca, suor de longas caminhadas.
Na pele o sol arranha com suas unhas desgastadas.
O mijo no canto das paredes e nas garrafinhas amarelas.
O brilho da pele, o marrom da sujeira e suas sequelas.

Mas eu tinha saudade do meu centro da cidade.
Eu tinha saudade daquele inferno imundo.
Uma cuspida no rosto, a mais pura verdade.
Quando se caminha dentro do poço, aproveita-se o fundo.

Agora na beira do abismo, com água suja até as canelas
Olhando o mar de morte e desilusão, espesso no fundo das panelas.
Saudade da dor de pisar num prego, numa calçada, em lugar nenhum
Na multidão nunca seremos um.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Poema do retorno


De volta.
Tentando não enlouquecer.
Tentando esquecer.

Derretendo por dentro.
Derretendo.
Três da manhã de um dia sem significado.

De volta.
Morri e retornei.
Desejo morrer novamente.

Quero ver o céu dos anjos.
Quero sentir o calor do inferno.
Não quero rimar, não sei o que quero.

Desejo.
Tolice, as águas ainda irão cair.
O sono das tempestades noturnas.

Deus está sorrindo, queima seus seguidores.
Não haverá nada quando o eterno retorno começar.
Não haverá nada, nem temperos, nem sobras.

Não haverá sorrisos nas madrugadas.
Não haverá amor.
Não haverá...

Ainda sobrará um desejo, opaco, branquelo.
Afoga-se e desaparece no inconstante.
Perde-se...

Agora, de volta.
Agora de novo.
Nunca ou jamais.

Em breve...