sábado, 17 de dezembro de 2016

O lado selvagem da vida



I

            Sujos de graxa, cantando como se não houvesse amanhã.
            Sujos, mente poluída.
            Sujos, mente poluída.
            Eram assim que os garotos andavam nas ruas no fim do ano de 2016
            Eram assim que as traças corroíam as roupas novas do fim de ano.
        Quantas gramas de ferrugem é necessário para dizer que algo está realmente velho, quanto precisamos interferir na vida improvável. Nas improbabilidades que se mostram um tanto quanto engraçadas, pragmáticas, sofríveis. Quanto de Ritalina precisamos para que possamos nos concentrar na pequena merda que toda esta grande bosta se tornará.
            Crianças brincando em hidrantes quebrados.
            Carros arrancando às três da manhã.
            Não me deixam dormir, os remédios não me deixam dormir.       
            E as garotas coloridas se afogam no próprio vômito.         
            E os garotos coloridos se beijam e fazem todos ter caras de nojo.
            Ahh como eu queria ser um gênio para escrever uma Ode.
            Notícias tristes de fim de ano.
            Mas o Papai Noel está lá, murcho com uma cara de tristeza, ouvindo milhares e milhares de crianças que ele tem vontade de matar. O Papai Noel usa vermelho para disfarçar o sangue da roupa, o sangue daquelas crianças birrentas que gritam e choram pedindo brinquedos que custariam o salário do mês. Elas querem as bonecas e os bonecos mais caros, elas querem tablets e smartphones de ultima geração para jogarem Candy Crush. Para queimarem suas retinas. Para assistir pornografia às três horas da manha.
              Eita, é o lado selvagem da vida.
              Eita, é o lado selvagem da vida.
            Na saída da faculdade uma mendiga me aborda, com olhos mareadas e voz sibilante, ela não pede esmola, ela pede respeito, ela me diz que não é uma vagabunda, que não é uma ladra, ela simplesmente quer ter dignidade mas o mundo, o mundo é selvagem e não deu dignidade para aquela pobre moça, suja e pobre, suja e nojenta (no lado bom da palavra), suja e suja, suja e com diversos filhos, suja e velha, suja e inútil (no lado bom da palavra). Aquela pobre alma suplicava por respeito gritando com todos que não era uma pessoa má, apenas escolhera alguns caminhos errados. Ela suplicava por perdão a um deus egípcio.
            Dei um real e feliz natal.
            Ela sorriu com seus dentes tortos. Ela sorriu com sua mente torta. Ela tinha prometido para si mesma que nunca mais usaria daquela pedra, ela tinha prometido para si mesma que iria se reformar, que iria se concentrar, que iria estudar e sairia para sempre daquela vida, ela tinha prometido para si mesma que tudo seria diferente, que ela seria uma garota colorida que sairia cantando nos pontos de ônibus “thururu thururu”. Ela sairia da prostituição, dos pequenos crimes, da vida marginal, ela iria concertar os dentes, ela iria sorrir de novo, ela se limparia da graxa e da vida nas calçadas, ela comeria uma refeição descente, ela deixaria de usar A pedra, ela deixaria de usar A pedra… mas usaria só mais uma vez para se despedir.
            O lado selvagem da vida.
            O lado selvagem da vida.
            Está longe dos conflitos dos super-heróis ou do império de Star Wars.
            Está longe das princesas da Disney.
            Está longe dos problemas da Dora Aventureira.
            Está na moeda de um real e sua sujeira.
            Está nos supermercados da América as dez da noite.
            O ônibus lotado.
            O pernil de natal.
            O lado selvagem da vida.
           

                                               II

            Não tem jeito de escapar.
            No começo de 2013 um jovem tentou escapar do lado selvagem da vida. Ele escolheu e escolheu e acabou na lama como tooooooodo muuuuuuundo. Triste jovem, triste humanidade. Ele se matou se matou de uma maneira miserável, se jogou daquele quarto andar tão brilhante e bonito. Hoje está nos portões de Valhalla, sofrendo a batalha eterna. Simplesmente se jogara para os braços de uma vida que não seria dele, simplesmente se jogara. No começo de 2014 milhares de jovens se jogaram, esta era a moda nacional. O lado selvagem da vida tornara-se moda, porém ninguém aguentava de fato o que era isso.
            Os Evangélicos disseram que eles iriam para o inferno.
            Os Católicos estavam preocupados com as crianças.
            E tudo converge.                   
            Os tempos foram mais difíceis, meu avô dissera isso na época das grandes crises nacionais, ou quando militares imbecis tomaram conta do Brasil. Tínhamos tanta fome e tanta sede que não nos faltava palavras. A falta mexe na criatividade, dizia meu avô. A falta mexe na fome, mexe na sede, mexe com as garotas. O preto e branco sempre será um ponto de pragmatismo.
            Existem dicionários de palavras bonitas na internet que os poetas de bosta utilizam para florearem os seus poemas.
            Existem tantas palavras de ódio.
            Milhões de sílabas postas juntas em um torno mecânico para tentarem dizer algo. Meu avô lia o jornal, morreu lendo o jornal. A última notícia do jornal que o vitimou era uma notícia que dizia que o Brasil teria jeito, que o mundo teria jeito, que todos viveríamos felizes. Tal imagem era imensamente impossível de ser visualizada, morreu então.
            Existem tantas palavras de ódio.
            O lado selvagem da vida está convergindo, está atrás de atrações para seu circo dos horrores.
            O lado selvagem da vida não exige uma explicação. Ele simplesmente acontece e está conosco em todos os momentos gloriosos da nossa vida. Está tentando explicar algo que se torna até distope, até torpe, até imbecil. Está nas grandes tragédias e naa mães chorando no programa da Fátima Bernardes. Está no café da manhã e nas pessoas que não conseguem almoçar ao meio-dia, está no Demônio do meio-dia.
            O lado selvagem da vida não exige uma explanação. Ele simplesmente existe, ele simplesmente está. Três da manhã e aquele estampido de morte possui um grande significado.


                        III

            Levante.
            Escolha o dia, o sinal do seu dia que te levará para a eternidade. A primeira coisa que você vê ao amanhecer é o seu amor ao seu lado. Aquele seu quarto rosa que ainda exala um ar infantil para uma mulher já com certa idade, treme na base do estomago com a fome que lhe trás memórias de quando sua mãe preparava todas as refeições. Tudo está quebrado e todos estão dançando lá fora. Está amanhecendo, você não se lembra da última vez que levantou as quatro horas da manhã. Sempre haverá uma madrugada nos meus textos, não reclame. Você não se lembra de nada, mas se lembra de que fora bom, que fora divertido, que fora mágico, que fora algébrico. Todos os axiomas da matemática sorriram para você naquela noite. Fantasmas de antigos deuses estavam nas garrafas de bebidas que você bebeu. Vodka, Úisque, dançar na mesa, Cerveja, vomitar e vomitar e vomitar e vomitar. Algumas drogas fazem parte de ser jovem em 2016.
            Levante. A Netflix pergunta se você ainda quer continuar assistindo.
            Levante. O lado selvagem da vida chegou pelo correio.
            Levante. O despertador do seu celular não vai tocar hoje.
            Levante. Os índios assassinos estão chegando.
            Escolha o dia, o sinal do seu dia que levará para a eternidade. Os carros estarão nos estacionamentos por toda a madrugada, um ou outro alarme tocará e destruirá os sonhos daqueles que dormem tão tranquilamente. Tudo pesa uma tonelada e meia quando se está de ressaca. Os óculos escuros e o gosto de merda na boca.
            Sangro todas as vezes que escovo os meus dentes.
            Nuvens de ferro no céu.
            Uma dança selvagem acontece todas as manhãs e sempre às seis horas da noite. Milhares de buzinas escondem o lado selvagem da vida.
            Mas o lado selvagem da vida está lá.
            Ele irá te matar na noite de natal.
            Ele irá te matar na virada do ano.
            O lado selvagem da vida te observa
            Na calada da noite, pela sua Webcam, te vê trocar de roupa, arrancar o próprio rosto e guardar em um cabide, te vê pelo buraco da fechadura digital, deitada na cama com seu amor pela madrugada, naquele infantil quarto rosa que você julga ser o lugar mais seguro do mundo. Era feriado era feriado. O lado selvagem da vida sorri e sorri.
            O lado selvagem da vida começa de madrugada, com mendigas chorando e usando pedra.
            O lado selvagem da vida começa com garotas bêbadas no meio fio.
            O lado selvagem da vida começa com o homicídio na televisão.
            O lado selvagem da vida está nos chats da Uol.
            Está no programa do Faustão.
            Está no tédio e na morte.
            O lado selvagem da vida te consumirá no sofá de domingo.
            Na estatua da liberdade.
            No atentado terrorista.
            Na queda do avião.
            No poema do blog.
            O lado selvagem da vida está no estupro, no assassinato, na libido dos pedófilos, nos corruptos, sádicos sacanas. Está na verdade nua e crua, no tráfico de drogas, nos presídios e nas ruas, esquinas, becos, bairros, comunidades, favelas, buracos, inferninhos, bares, bebidas, drogas, loucuras, três da manhã, avenidas movimentadas, rachas, morte, sangue, jovens, aborto, vômito, ressaca, talkshows, off-line, snapchat.
            Ele olha para você enquanto dorme.
            O lado selvagem da vida

            Não dorme.

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