sábado, 29 de outubro de 2016

UMA TARDE


            Talvez o silêncio que nunca dantes tivéssemos ouvido, tornaria tão breve o nosso sossego. Disse a ti o quão silencioso seriam os dias deitado sobre o seu peito, ouvindo como único e primoroso ruído o saltitar do seu coração em puro tédio de uma tarde qualquer.
            Dissestes para ti como as tardes eram tão calmas e serenas, tais quais as tardes perdidas de dias esquecidos em passados distantes. Tu sorrias, tu sorrias, tu sorrias, era doce seu sorriso ainda cheio de sono. Estávamos juntos. O lauto de nossas alegrias, a união oculosa de nossos lábios, serenos e perenes, divagantes.
            Talvez o silêncio, hora quebrado por um carro, hora quebrado por vozes inquietas, fosse algo tão divino quanto as abissais divindades do passado. A eternidade que se mostra nestas tardes alaranjadas, cheias de mistério e magia. Estamos juntos, colados & unidos em nossa atividade silenciosa de contemplação. Somos tranquilos, calmos, serenos, únicos. Possuidores de um poder uno e calmo.
            Uma gritaria. Crianças na rua.
            Não tínhamos internet para nos atrapalhar.
            Uma suave música, algo tão passageiro como a primavera. O eflúvio de flores dantes nunca notadas, prostrara no ambiente por uma fração mínima de segundo. Tu estavas com olhos fechados, imaginado dantes sonhos nunca sonhados. Me diria depois que sonhou com nossa possível filha(o).
            Música alta, quase uma onda gravitacional.
            Logo o silêncio voltou a reinar, afago (sim, mudo o verbo), afago os seus cabelos, tu me diz quanto é bom. Estou quente, você está quente, é um dia quente, os ventiladores estão quebrados. A televisão está quebrada, acabou a energia em toda a cidade e os chatos estão dormindo. Você sorriu mais uma vez, te conto algo engraçado sobre o que aconteceu ontem. Você sorrio
            - Eu te amo.
            - Eu te amo.
            Você sorriu.
            Você sorriu.
            Lusco-fusco.
            Existe uma dificuldade verdadeira em enxergar a estrada nesta hora do dia. Da tarde. Da noite. Longe, alguns perdidos tocam fogo em um conjunto de mato seco. A fina fumaça e o fino cheiro de queimar sobre pelo bairro, alastrando-se pelo tédio de uma tarde primaveiral, Estamos levemente suados, eternamente sozinhos. Ainda não sonhamos esta noite, pois passaremos grande parte dela acordados.
            Fome.
            A letargia da preguiça deixará a fome tomar um pouco mais antes de ficar mais séria. Ela veste-se apenas por se vestir. O chão está frio, os pés estão descalços, Desistimos, tornamos ao tédio. Não há energia na cidade, as estrelas brilharão como nunca o fizeram. Por sorte, baixei David Bowie para toda a noite.
            Anoitece e o escuro toma conta. Algumas velas desnecessárias estão acessas apenas para não acrescentar o medo da noite ao medo do escuro. O cheiro de uma praia distante nos passa pelas narinas.
            - Vamos à praia próximo domingo? – pergunto, como a interrogação assim sinaliza.
            - Vamos à praia próximo domingo. – ela afirma, como o ponto assim sinaliza.
            E o futuro assim está traçado.
            E o escuro caí.
            E dormiremos de maneira una.

            

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