quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Pequenas Tragédias

           
           

            Ele está morto.
            A antítese do conto de Frankestein, quando o doutor, do qual teve o nome manchado pela história, finalmente dá vida a besta e grita “está vivo!”.
            Tomou o rumo que todas as coisas tomam.
            Foi meu parceiro nos momentos de tédio, foi meu parceiro nos momentos que eu não queria compartilhar meus sentimentos com o mundo. Apenas o utilizava para abstrair, ou para angariar conhecimento. Uma rota escapista, covarde, mesquinha para que eu simplesmente fique invisível ao mundo. Quase como o “Um Anel” de Sauron, ou a capa da invisibilidade do Potter. Simplesmente o mundo em torno sumia, eu desaparecia.
            Mas este aparato mágico está morto.
            Talvez, de fato, eu o tenha assassinado sufocado pela noite. Quando meu pesado corpo tombou sobre sua frágil estrutura e assim silenciou o meu mundo. Talvez minha insônia fatídica, meu cansaço crônico ou minha breve depressão mundana me fizera dormir, adormecer tão pesarosamente que enfiem, matei-o sufocado.
            Meu fiel amigo e escudeiro.
            Ele está morto.
            Nataniel Baldwin fora o inventor de tal aparato. O pai dos fones de ouvido. Mal sabia ele que deixaria tanta gente com deficiência auditiva. Interessante como o nome dos inventores das coisas mais simples as vezes são ignorados pela história e tempo. Simplesmente são passados em branco, como se tal coisa de tamanha importância não fosse realmente relevante.
            John Harington foi o inventor da privada. Coitado, queria ser escritor.
            László József Bíró foi o inventor da caneta esferográfica. Todo mundo tem uma caneta perdida em algum lugar e acredito que ninguém tenha ao menos escrito o complicado nome deste homem com o seu invento.
            Estou utilizando um teclado, como podem notar.
            O fato destes inventores nunca conhecerem a luz da fama ou dos meus fones de ouvido terem morrido são o resumo crônico do título “pequenas tragédias” que ao certo, são pequenas tragédias.
            Como perder o ônibus.
            Como tirar aquela nota baixa.
            Como uma caneta estourar no bolso da sua calça favorita.
            Como não ter papel higiênico na privada depois de uma boa utilizada.
            Ou como o seu fone de ouvido parar de funcionar. O fato de não estar ouvido música para silenciar as ideias inquietantes que tomam a cabeça, ou silenciar o mundo que as vezes torna-se em demasia irritante pode sim configurar-se uma pequena tragédia. Uma mínima tragédia equânime em uma escala de pequena a grande tragédia. Quase como um efeito borboleta recheado do meu puro hedonismo desenfreado. Agora com este texto em homenagem a este amigo de horas e horas a fio, guardo-o com um funeral digno de reis e lordes. Onde moedas serão colocadas nos seus olhos para que possa pagar a passagem do barqueiro e ir pelo rio Estige ser julgado por Hades ou outra divindade mística.
            Provavelmente, nesta semana, eu compre outro fone.
           


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