Ele está morto.
A antítese
do conto de Frankestein, quando o doutor, do qual teve o nome manchado pela
história, finalmente dá vida a besta e grita “está vivo!”.
Tomou o
rumo que todas as coisas tomam.
Foi meu
parceiro nos momentos de tédio, foi meu parceiro nos momentos que eu não queria
compartilhar meus sentimentos com o mundo. Apenas o utilizava para abstrair, ou
para angariar conhecimento. Uma rota escapista, covarde, mesquinha para que eu
simplesmente fique invisível ao mundo. Quase como o “Um Anel” de Sauron, ou a capa da invisibilidade do Potter.
Simplesmente o mundo em torno sumia, eu desaparecia.
Mas este
aparato mágico está morto.
Talvez, de
fato, eu o tenha assassinado sufocado pela noite. Quando meu pesado corpo
tombou sobre sua frágil estrutura e assim silenciou o meu mundo. Talvez minha
insônia fatídica, meu cansaço crônico ou minha breve depressão mundana me
fizera dormir, adormecer tão pesarosamente que enfiem, matei-o sufocado.
Meu fiel amigo
e escudeiro.
Ele está
morto.
Nataniel
Baldwin fora o inventor de tal aparato. O pai dos fones de ouvido. Mal sabia
ele que deixaria tanta gente com deficiência auditiva. Interessante como o nome
dos inventores das coisas mais simples as vezes são ignorados pela história e
tempo. Simplesmente são passados em branco, como se tal coisa de tamanha
importância não fosse realmente relevante.
John
Harington foi o inventor da privada. Coitado, queria ser escritor.
László József
Bíró foi o inventor da caneta esferográfica. Todo mundo tem uma caneta perdida
em algum lugar e acredito que ninguém tenha ao menos escrito o complicado nome
deste homem com o seu invento.
Estou utilizando um teclado, como
podem notar.
O
fato destes inventores nunca conhecerem a luz da fama ou dos meus fones de
ouvido terem morrido são o resumo crônico do título “pequenas tragédias” que ao
certo, são pequenas tragédias.
Como
perder o ônibus.
Como
tirar aquela nota baixa.
Como
uma caneta estourar no bolso da sua calça favorita.
Como
não ter papel higiênico na privada depois de uma boa utilizada.
Ou
como o seu fone de ouvido parar de funcionar. O fato de não estar ouvido música
para silenciar as ideias inquietantes que tomam a cabeça, ou silenciar o mundo
que as vezes torna-se em demasia irritante pode sim configurar-se uma pequena
tragédia. Uma mínima tragédia equânime em uma escala de pequena a grande
tragédia. Quase como um efeito borboleta recheado do meu puro hedonismo
desenfreado. Agora com este texto em homenagem a este amigo de horas e horas a
fio, guardo-o com um funeral digno de reis e lordes. Onde moedas serão
colocadas nos seus olhos para que possa pagar a passagem do barqueiro e ir pelo
rio Estige ser julgado por Hades ou outra divindade mística.
Provavelmente,
nesta semana, eu compre outro fone.
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