segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Não repare a bagunça


               


             A apresentação deste escritor será feita de uma maneira péssima. Seria muito curioso escrever um texto apresentando a mim mesmo na terceira pessoa. Talvez seja até uma espécie de egocentrismo mascarado, ou alguma loucura escondida que logo virá a tona e me tornará o monstro conhecido por todos e por ninguém. Obviamente este escritor, que anda com tantas mil malucas ideias na cabeça, pode ao certo escrever sobre milhares de coisas e esta é a ideia deste lugar.
                Mas isto não vem ao caso.
            O escritor que está digitando este texto no seu computador velho, no seu quarto pequeno, nesta noite quente está aproveitando para por as ideias em dia. Ouve uma música feita de batidas instrumentais, algo um pouco com uma “vibe” de tomar um ônibus na madrugada e ver até onde ele pode parar. Saber que seria impossível não imaginar tais coisas em um lugar tão pequeno, fazendo ruídos irritantes com as duras teclas do teclado.
            O mundo moderno é uma maravilha, num exercício de pura atenção, o escritor está mudando o foco do texto para uma conversa em uma rede social, para voltar ao texto. Vivemos num mundo conectado e estas conjecturas são possíveis na medida do possível.
            Claro que este pequeno texto não terá nada demais, é apenas uma apresentação. Ele falhará miseravelmente como apresentação, mostrando a ineficácia do autor em uma autodescrição fiel e sem floreios. O mesmo olhará no espelho as duas da madrugada buscando algumas marcas da velhice. Tem vinte cinco anos e sente-se como se tivesse duzentos. A calvície já ataca e o estomago já não age de maneira normal.
            Mas isto também não vem ao caso.
            Quase meia noite.
            O silêncio da rua pode traduzir em um profundo mistério plano, pairando sobre as nobres cabeças dos que dormem de noite e trabalham no dia seguinte. Falarei mais do meu trabalho em outra oportunidade, pois agora descrevo este, o meu de escritor.
            Escritor amador! – gritam no meu interior.
            O editor de textos, meu fiel amigo, grifa em rubro minhas deficiências gramaticais. Este é apenas um texto inaugural, não tem uma ideia fixa ou um causo que, você leitor, vai gostar de ler. Alias, eu diria que você poderia se sentir em casa, mas que não deveria reparar na bagunça, pois ainda está em reforma.
            Tenho uma teoria sobre castelos, mas deixo isso para outro momento.
            O editor de textos me sugere maneiras melhores de escrever e compor um texto. Fazê-lo de maneira arbitrária, ou ao menos, acatar sua ajuda e assim escrever algo com uma clareza maior acaba sendo mais fácil. Troco “s” por “z” e ele corrige automaticamente. Santa tecnologia.
            Mas isso não vem ao caso.
            O escritor termina seu texto. Ele fará como crianças sempre o fazem: um desenho completamente sem sentido que  mostrará para toda a família e receberá afagos na cabeça. “Que bonito!” Eles dizem sem ao menos entender o que é.
            No fundo, o autor não sabe o sentido.
            No fundo, o escritor sabe que não faz sentido.
            Mas o texto está lá, e não vem ao caso.
            O escritor também está. Respirando e digitando. As ideias estão em dia. E tudo faz muito sentido, ou é realmente muito claro. E a batida no ouvido continua. Aquela vontade louca de sair em meio a chuva da madrugada, sentir a água no corpo, sentir-se pleno.
            Eu deveria estudar crase.
            Isso não vem ao caso.
            Então, caro leitor, sinta-se em casa. Não repare a bagunça, não repare a loucura, não repare a falta de convicção, não repare a má gramática, não repare as ideias roubadas, não repare os cadáveres, não repare a podridão, não repare os versos feridos, não repare as dores do passado, não repare os dias de fúria, não repare o dente quebrado.
            Sinta-se em casa.
            Do seu amigo, Míope Psicopata.

                           

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