domingo, 28 de agosto de 2016

O relógio dourado

         
             Eu não sei ler relógios analógicos. Nem sei se é certo dizer que você “lê” as horas, mas isso não vem ao caso. Também não quero dizer que se eu olhar para um dito “relógio de ponteiros” eu não vá saber que horas são, mas tenho que fazer os cálculos da tabuada de cinco e isto pode levar algum tempo. Sempre tenho que encarar aqueles relógios dos quais não encontram as marcações de horas e minutos, e isto para mim é uma dificuldade. Também aqueles que possuem números romanos no lugar dos clássicos números arábicos. Não sei o verdadeiro motivo de usarem números romanos, eles não possuíam o conceito de zero. Tão difícil analisar ou escrever o conceito de vazio.
            Também pode ser dito que vazio é depressão.
            Os gregos usavam o “ômicrom”, que é a primeira letra grega da palavra “oudem” que significa “nada”. Os gregos possuíam um conceito concreto de nada, ou de vazio. A própria filosofia grega trazia em seu cerne algo em volta do vazio e do nada. Segundo Aristóteles:  o movimento pressupõe o vazio do qual a matéria se desloca. Isso tudo pode se definir como uma amalgama de ideias desconexas.
            Eu possuía um belo relógio de ponteiros, ou analógico. Era um relógio dourado, imitando falsamente ouro, com uma tira de couro marrom, não possuía muitas diversidades além do simples fato de ler as horas. O metal frio era daqueles que machucavam o pulso por ter sido feito fora de medida, e ele era um pouco pesado, seu uso incomodava. Eu sempre o carregava quando saia, era uma inutilidade gigantesca, haja visto que os relógios de bolso voltaram a moda com os celulares. Com aquele relógio eu via o tempo passar e via como todas as coisas tornavam-se vazias.  O incomodo do seu peso e o tilintar do tempo passar soava como um aviso dos dias que chegariam e das coisas que poderiam se suceder.
            Sempre que alguém me perguntava que horas eram, eu ficava sem graça, eu mentia a hora, pois eu demoraria muito em dizê-la. Talvez seja assim que muitas das pessoas vejam como é o passar do tempo, você acredita que tem o controle absoluto do que está se passando. Você carrega o seu relógio dourado no pulso, você controla cada segundo passado sem saber o real significado do que são aqueles segundos. Se alguém lhe pergunta que horas são a resposta não será significativa.
            O tempo passa tão devagar quando se quer que ele passe rápido.
            O tempo é implacável.
            É possível que o mais antigo símbolo hindu para o zero seja o ponto em negrito que aparece no manuscrito Bakhsali, mas a associação com os símbolos gregos são meras conjectura.  Às vezes, trazemos algumas semelhanças em fatos que, quando realmente paramos para elucubrar sobre tais acontecimentos, tudo parece ser realmente divinamente coligado. Por cima disto, muito se acredita nas obscuras forças da coincidência, como uma súplica divina para a nossa ignorância, mas eu prefiro acreditar que acordei com o pé direito. Fazer um comparativo de vida é semelhante a buscar o preço mais barato depois que já comprou o produto.
            Em inscrições manuscritas, o símbolo utilizado para assinalar os espaços em branco era chamado de sunya, do qual o significado é “lacuna” “ou vazio”.
            Talvez este sunya seja a vida da maioria das pessoas que você vai conhecer.
            Talvez esta lacuna ou vazio tenha sido o sonho que você abriu mão, ou aquilo que deixou de fazer por mera preguiça.
            Sifr, em árabe, significa “vago”. Foi transliterada para o latim como Zephirum ou Zephyrum e com o passar dos anos foi se chegando a palavra e cifra conhecidas como  “Zero”.
            E o com tempo se aproximando de um final, que pode ser próximo ou tardio, disto não se tem controle, olhamos para nosso pesado e inútil relógio de ponteiros, ou digital, sem entender o que ele diz, fazendo os cálculos necessários para dizer que horas são.  Observar o tempo ao todo, e notar o vazio em que as coisas tornam, talvez uma mistura algébrica que no fim das contas, acaba sendo uma inutilidade plena.

            Não me envergonho de dizer que não sei ler relógios analógicos. Estou feliz com meu simples e prático relógio digital.  Mas o tempo é único, e o passar dos anos, digitalmente ou analogicamente, ainda são tão pesados quanto o frio daquele relógio dourado no meu pulso.

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